A América do Sul possui um arco dos mais extensos e diversos ecossistemas florestais do planeta, regiões ainda preservadas nas quais se materializam as questões ambientais mundiais mais urgentes. Resumindo, esse arco de paisagens naturais é a maior maravilha planetária hoje existente. Milênios de ocupação humana, estreitamente vinculada a essa natureza, definiram o nascimento, os mitos de origem e os destinos de um rico e complexo conjunto de culturas.
Desde os anos 80 percebi o trabalho artístico sobre paisagem brasileira e americana como um projeto de primeira grandeza. É um tema de potência extraordinária: o gênero da paisagem, com importantes transformações e inovações, vem sendo praticado, sem interrupção, por artistas notáveis, desde os tempos do Gótico Internacional até a contemporaneidade, em mais de 8 séculos de cultura universal. No Brasil, particularmente, é o gênero que inaugura nossas artes plásticas: primeiro, com os esboços das mirabilia dos viajantes, depois, com artistas viajantes do calibre de Post, de Taunay e de Rugendas. Nas épocas do Romantismo, Realismo e Modernismo, surgem muitos outros, entre eles, Victor Meirelles, Pedro Américo, Tarsila e Anita Malfatti, até, claro, a presença incontornável de Guignard.
Inspirado e entusiasmado com a presença e o significado da paisagem entre nós, o grande poeta José Lezama Lima afirmou: “Na América, onde quer que surja a possibilidade de paisagem, tem de existir a possibilidade de cultura”. É a luxuosa possibilidade da natureza ser ponto de partida para o engenho da cultura.
A extensa história da representação da paisagem permite mesclar tempos diversos, memória afetiva e multiplicidade de espaços e culturas, que surgem, então, como construções novas. No meu trabalho, a natureza comanda essas conexões: a observação direta, a surpresa e a experiência psicogeográfica me sugerem, concretamente, a concepção dessas sínteses harmônicas. E a possibilidade de uma arte atenta ao sublime, à beleza e ao diálogo de várias tradições.
2020-03-07